O que aprendi sobre neutralidade viajando pela Suíça
- andrechrodrigues
- 22 de abr.
- 3 min de leitura
Cheguei à Suíça numa manhã fria de outono. O tipo de frio que não incomoda, só desperta.
Me lembro de estar dentro do trem que saía do aeroporto de Zurique, observando pela janela aquele país que, por muito tempo, eu só conhecia pelos clichês: relógios precisos, chocolate impecável, segurança bancária, trens pontuais, vacas felizes.
Tudo ali parecia funcionar como um relógio suíço — literal e metaforicamente. E era isso que me intrigava. Eu não queria apenas visitar paisagens de cartão-postal. Eu queria entender. E mais do que isso: eu queria sentir.
Sentir o que é viver, ainda que por poucos dias, em um país que carrega a reputação de “neutro” num mundo onde quase tudo — e todos — precisam escolher um lado.

A neutralidade começa no silêncio
Minhas primeiras paradas foram Zurique e Lucerna. Cidades organizadas, limpas, silenciosas. E o silêncio, ali, dizia muito.
Nos cafés, as conversas pareciam baixas, contidas, como se o volume da voz fosse também uma questão de etiqueta. Nos vagões dos trens, as pessoas liam ou olhavam pela janela — raramente alguém atendia uma ligação.
Nas ruas, tudo funcionava. Sinais obedecidos. Cães sem coleira que obedeciam mais que gente em outras partes do mundo.
Mas havia algo por trás dessa precisão que me inquietava. Um tipo de contenção emocional. Como se, ao mesmo tempo em que tudo fosse acessível, nada fosse realmente aberto.
Genebra e o peso da neutralidade institucional
Foi em Genebra que essa sensação se tornou mais clara.
Visitei a sede da ONU. O prédio é imponente, mas sóbrio. Ao seu redor, bandeiras de dezenas de países tremulam lado a lado, como se o mundo, por alguns metros, finalmente tivesse encontrado equilíbrio. Mas basta sair dali para lembrar que não — que a paz é sempre um esforço, nunca um estado permanente.
No Museu da Cruz Vermelha, a neutralidade ganha um novo tom: o tom da dor. Ali, vi como a neutralidade pode ser ativa. Ela não é ausência de posicionamento, mas a escolha deliberada de se manter disponível para todos — para o socorro, para o diálogo, para a proteção.
A Suíça, com sua neutralidade, abriga as conversas que ninguém mais quer ter. Hospeda acordos impossíveis, negocia cessar-fogos improváveis.
Foi ali que percebi: neutralidade não é passividade.
Conversas em várias línguas
Durante a viagem, conversei com suíços alemães, suíços franceses e até um jovem que falava romanche, o idioma mais raro e poético do país. A pluralidade linguística da Suíça é, por si só, um reflexo do seu esforço de convivência.
Mas mesmo entre essa diversidade, notei uma hesitação em falar de política. Não que não houvesse opiniões. Havia. Mas expressá-las em voz alta não parecia ser um hábito — talvez por educação, talvez por hábito cultural, talvez por algo mais profundo.
Um senhor que conheci num trem, ao descobrir que eu era brasileiro, me perguntou com delicadeza: “O Brasil está bem? Parece que as pessoas lá sempre têm que brigar por tudo.”Fiquei em silêncio por alguns segundos. Ele não estava errado.
Mas ao mesmo tempo, percebi que, para ele, neutralidade era também uma forma de proteção.

O que realmente aprendi
Aos poucos, fui entendendo que a neutralidade suíça não é um escudo, mas um espelho. Um espelho que reflete o que cada um carrega consigo.
Se você busca conflito, verá contradições. Se você busca paz, verá estabilidade. E se você busca entender, verá um país que escolheu — por estratégia e convicção — não se envolver em guerras externas, mas que se envolve profundamente nos bastidores da diplomacia global.
A neutralidade da Suíça não é ausência de história, é excesso dela. É saber que se tomar um lado, pode perder a confiança do outro. É viver no limite delicado entre a empatia e a firmeza, entre a escuta e o silêncio.

Quando o viajante volta diferente
Voltei da Suíça com um respeito silencioso por esse jeito de estar no mundo. Um jeito que não grita, não invade, não impõe.
Mas que observa, negocia, sustenta.
Aprendi que neutralidade, no fundo, é uma escolha. Uma escolha difícil num mundo polarizado, onde ser neutro pode parecer fraqueza — mas também pode ser coragem.
Talvez por isso a Suíça me tocou tanto. Porque me fez pensar no que significa ser neutro em tempos de extremismo. E no quanto, às vezes, a voz mais forte é a que opta por não gritar.
E você? Já esteve em um lugar que te ensinou algo profundo sobre o mundo — ou sobre você mesmo?
Deixe seu comentário e me conte sua história.
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